O Conhecimento como Característica
da Humanidade
Nas
várias espécies animais existentes sobre a Terra encontramos formas de
relacionamento que nos fazem pensar na existência de regularidades que ordenam
sua vida comunitária. Percebemos facilmente que os diversos animais se agrupam,
convivem, se acasalam, sobrevivem e se reproduzem de forma mais ou menos
ordenada, em função de sua potencialidade e do ambiente em que vivem.
A
preservação da espécie e seu aprimoramento parecem ser, como afirmou Darwin na sua
teoria sobre a Evolução das espécies, o objetivo das suas formas de vida,
convivência e sociabilidade. Assim, os animais desenvolvem estilos próprios de
vida que lhes permitem a reprodução e a sobrevivência. Estabelecem para isso
modelos de vida complexos, com sistemas de acasalamento, alojamento, migração,
defesa e alimentação.
O
homem, como uma dentre as várias espécies existentes, também desenvolveu
processos de convivência, reprodução, acasalamento e defesa. Desse modo
apresenta uma série de atividades “instintivas”, isto é, ações e reações que se
desenvolvem de forma mecânica, dispensando o aprendizado, como respirar,
engatinhar, sentir fome, medo, frio. Além disso, porém, quer por dificuldades
impostas pelo ambiente, quer por particularidades da própria espécie, o homem
também desenvolveu habilidades que dependem de aprendizado. Assim, as crianças
aprendem a comer, beber e dormir em horários regulares, aprendem a brincar e a
obedecer; mais tarde, aprenderão a trabalhar, comerciar, administrar, governar.
O
homem, portanto, se distingue das demais espécies existentes porque nem todo
seu comportamento se desenvolve automaticamente em sua relação com a natureza,
nem se transmite à sua descendência pelos genes. Ele é o único animal que
necessita de aprendizado para adquirir diferenciadas formas de comportamento.
Muitas
lendas e mitos relatam a história de heróis que, mesmo crescendo no isolamento,
tornaram-se humanos – Rômulo e Remo, Tarzan, Mogli – e apresentaram
comportamentos compatíveis com o resto da humanidade. Entretanto, para se
tornar humano, o homem tem de aprender com seus semelhantes uma série de
atitudes que lhe seriam impossíveis desenvolver no isolamento. Já entre os
demais animais, se separarmos uma cria de seu grupo de origem, ela apresentará,
com o tempo, as mesmas capacidades e atitudes de seus semelhantes, pois essas
decorrem sobretudo de características genéticas.
O
cineasta alemão Werner Herzog trata justamente desse tema em seu filme O enigma de KasparHauser, de 1976. Ele
mostra como um homem criado longe de outros seres de sua espécie é incapaz de
se humanizar, revelando apenas características genéticas instintivas e animais.
Portanto,
para que um bebê humano se transforme em um homem propriamente dito, capaz de
agir, viver e se reproduzir como tal, é necessário um longo aprendizado, pelo
qual as antigas gerações transmitem às mais novas suas experiências e
conhecimentos. Essa característica, essencialmente humana, só se tornou
possível porque o homem tem a capacidade de criar sistemas de símbolos, como a linguagem, por meio dos quais dá
significado às suas experiências vividas e as transmite a seus semelhantes.
As
capacidades próprias dos animais se desenvolvem de maneira predominantemente
instintiva e se transmitem aos descendentes pela carga genética. O homem, por
sua vez, deve transmitir suas experiências e interpretações da realidade por
uma série ordenada de símbolos.
Por
isso, dizemos que o Homo sapiens é a
única espécie que pensa, isto é, que é capaz de transformar a sua experiência
vivida em um discurso com significado e transmiti-la aos demais seres de sua
espécie e a seus descendentes. É o único capaz de imaginar ações e reações sob
forma simbólica, isto é, mesmo na ausência de estímulos concretos que provoquem
medo, alegria, fome ou rancor, ele pode reviver essas situações que o
estimularam. Além disso, é o único a diferenciar as experiências no tempo e, em
conseqüência, a projetar ações futuras.
O
homem, portanto, é capaz de recriar situações e emoções, é capaz de simbolizar,
de atribuir significados às coisas, de separar, agrupar, classificar o mundo
que o cerca segundo determinadas características. Dessa habilidade provém a
capacidade de projeção, a idéia de tempo e o esforço em preparar o futuro,
características que permitem o desenvolvimento da ciência. Esse é o centro de
sua capacidade simbólica e de sua humanidade.
Ao
pensar, ao ser capaz de projetar, de ordenar, prever e interpretar, o homem,
sempre vivendo em grupos, começou a travar com o mundo ao seu redor uma relação
dotada de significado, de avaliação. Seu conhecimento do mundo – organizado,
comunicado e compartilhado com seus semelhantes e transmitido à descendência –
se transformou em cultura humana
propriamente dita. Essa elaboração simbólica da experiência fez com que os
homens recriassem o mundo segundo suas necessidades e pontos de vista,
traduzindo-o sob a forma de informação ou
conhecimento. A partir dessa
conquista, do desenvolvimento dessa capacidade genuinamente humana de
representar e transformar o ambiente natural, cada grupo, compartilhando
experiências comuns adaptadas ao seu modo próprio de vida, criou formas
próprias de sociabilidade. É por isso que encontramos formas de existência,
crenças e pensamento tão diversas. Porque elas não são apenas conseqüências de
uma estrutura genética da espécie, mas da criação de formas de ação e reação
decorrentes da experiência particular vivenciada por grupo de homens.
Uma
vez que cada cultura tem suas próprias raízes, seus próprios significados e características,
todas elas são qualitativamente comparáveis. Enquanto culturas, todas são
igualmente simbólicas, fruto da capacidade criadora do homem e adaptadas a uma
vida comum em determinado espaço e tempo nesse contínuo recriar, compartilhar e
transmitir a experiência vivida e aprendida.
Sociologia : Introdução
à Ciência da Sociedade / Cristina Costa - 2ª edição
– São Paulo :
Início
1°Ano
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